sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Com vocês o Pai, o Filho e o Espírito Santo francês: o Cassoulet


Depois de muito tempo sem escrever, não sem cozinhar, enfim irei contar a história de um dos pratos mais saborosos que já preparei: o Cassoulet.
Esse é um dos pratos franceses mais famosos, não só em seu país de origem, mas em diversos lugares do mundo. Podemos dizer que o Cassoulet é a feijoada francesa, mas que surgiu muito antes da nossa.
Três cidades do sudoeste da França reivindicam a origem desse prato, Carcassonne, Castelnaudary e Toulouse, e disputam, até hoje, os créditos de melhor Cassoulet da França. O prato é preparado à base de feijão branco, carnes diversas, alguns legumes e condimentos, mas há inúmeras variações.
A despeito da controvérsia de sua cidade natal, as fontes são unânimes quando se trata do período de surgimento do Cassoulet. O prato nasceu durante a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), período em que ocorreram, de forma descontínua, uma série de conflitos armados entre as tropas dos nascentes Estados Nacionais da França e Inglaterra. Tais conflitos tiveram como razão disputas territoriais que estavam ligadas ao contexto de crise da Idade Média.
A Guerra dos Cem Anos tornou-se famosa na história pela sua longa duração e pelas profundas transformações econômicas, sociais e políticas provocadas na Europa Ocidental. Uma das figuras mais marcantes dessa história foi a mártir Joana D’Arc, filha de camponeses franceses, e que se destacou por liderar o exército francês na retomada da região de Orleans, que estava sob domínio inglês.
O Cassoulet, que recebe esse nome por causa do cassole, recipiente de barro em que é preparado, teria sido criado no sudoeste da França que se encontrava cercado pelos ingleses. O povo, assombrado pela fome e pela guerra, reuniu diversos ingredientes (torresmo, banha, carne de porco, lingüiças, favas e legumes) em um grande caldeirão de barro e preparou um guisado para alimentar seus soldados. A refeição foi tão revigorante que os soldados franceses, fortificados, expulsaram os invasores e salvaram a cidade de Castelnaudary da ocupação inglesa.
O feijão branco passou a ser usado posteriormente, pois era um produto originário das Américas e só se tornou conhecido na Europa após as viagens de Cristóvão Colombo e passou a ser cultivado de forma extensiva durante o governo de Catarina de Médici (1519-1589), que facilitou a importação e produção desse produto na França.
Mas por que o Cassoulet é o Pai, o Filho e o Espírito Santo da comida francesa? Porque um dos maiores chefes e estudiosos da gastronomia francesa, Prosper Montagné, certo dia disse que o Cassoulet é a santíssima trindade da cozinha francesa. E nós, aqui em casa, não ousamos discordar, pois quando preparamos esse prato a família comeu e se deliciou, mesmo não sabendo pronunciar o nome “estranho”.
O Cassoulet passou de um prato simples, do campesinato, a um dos pratos mais tradicionais e saboreados na França e em várias partes do mundo. A receita que preparei foi uma adaptação (como sempre) da receita do chefe franco-brasileiro Olivier Anquier.

Cassoulet

500 g de feijão branco
150 g de bacon picado em fatias largas
800 g de lombo de porco picadinho
500 g de lingüiça calabresa
2 cenouras inteiras
2 cenouras picadas
1 cebola grande com alguns cravos espetados
1 cebola grande picada
6 dentes de alho descascados, inteiros
3 tomates sem pele e sem sementes
150 ml de vinho branco
1 bouquet de salsinha, tomilho e louro
1 caldo de carne ou bacon dissolvido em um pouco de água
Sal e pimenta-do-reino a gosto

Modo de preparo

1) Deixe o feijão de molho por 12 horas.
2) Cozinhe-o com as 2 cenouras inteiras, a cebola com cravos, 3 dentes de alho e o bouquet de ervas por 1 hora em panela de pressão.
3) Em uma panela grande frite o bacon, retire da panela e reserve.
4) Na gordura que sobrou na panela, frite a lingüiça, retire e reserve.
5) Tempere o lombo com sal e pimenta e frite ainda na mesma gordura da panela e retire e reserve.
6) Na panela em que fritou as carnes acrescente a cenoura e a cebola picadas e os 3 dentes de alho restantes socados com um pouco de sal e deixe dourar um pouco.
7) Acrescente o vinho branco e o caldo dissolvido e deixe reduzir um pouco.
8) Acrescente os tomates e as carnes reservadas e cozinhe por 30 minutos (ou até que as carnes fiquem macias).
9) Misture esse refogado ao feijão já cozido e acerte o tempero com sal e pimenta-do-reino.

Dica: Apesar de ser bem mais leve que a nossa feijoada, é bom deixar esse prato para dias mais frescos, pois a suadeira não será diferente!

domingo, 17 de junho de 2012

Un populaire petit


    No fim de uma noite agradável, quando você pede “A” sobremesa, e vê chegar aquela bela obra de arte é impossível conter a saliva que inunda sua boca com aquele estímulo visual. Sim, “A” sobremesa é um delicioso petit gâteau!
   É bem verdade que, ao fazer o pedido de “Un petit gâteau, s’il vous plaît!”, você irá sentir-se transportado a um pequeno bistrô na França da Belle Époque ou, se você não faz ideia do que seja isso, ao menos sentirá que você é muito chique! Afinal, essa é uma das sobremesas mais pedidas, e caras, dos restaurantes da região Sudeste do Brasil.
    Apesar do nome, que quer dizer pequeno bolo (o que de fato é!), sua origem não está ligada ao território francês. Não há registros históricos que comprovem a origem da sobremesa, mas há uma lenda que explica que o petit gâteau surgiu na década de 1990 nos EUA pelas mãos de um aprendiz de chef que aqueceu muito o forno onde seriam colocados os bolinhos para assar. O que poderia ser um desastre culinário, uma vez que o forno quente cozinhou a parte de fora do bolo e manteve seu interior cru, foi bem apreciado pelos clientes do restaurante que receberam o bolinho servido com sorvete.
    Há ainda outra versão que apresenta o petit gâteau como uma adaptação da receita do renomado chef francês Michel Bras, dono de um dos restaurantes mais famosos da França, o Bras. Esse chef criou uma sobremesa em que um bolo crocante e bem cozido, preparado sem farinha, era recheado com um pouco de chocolate congelado e que, ao ser levado ao forno, derretia deixando, assim, o núcleo do bolo líquido. Essa sobremesa se chama biscuit tiède de chocolat coulant e ainda hoje é servida em seu restaurante.
    Invenção ou adaptação, é inegável a popularização dessa sobremesa no Brasil. Aqui no país ela chegou por volta de 1996, mas tornou-se popular apenas nos últimos anos.
    A princípio essa sobremesa era servida apenas nos restaurantes mais elegantes e renomados do país, mas hoje, por exemplo, faz parte do cardápio de uma grande rede de comida fast food e tem até jingle tocando na televisão!
    E hoje chegou a hora de tornar essa delícia mais popular ainda, pois você poderá prepará-la e saboreá-la em sua casa. É verdade! Sei que você deve estar pensando: “O quê? Fazer um petit gâteau em casa? Impossível!”. Eu também pensava assim antes de me arriscar a prepará-lo!
    É uma sobremesa super simples e rápida de preparar! Para preparar o petit gâteau você precisará comprar as forminhas de alumínio de 6X6,5 cm.
 
Petit gâteau

4 colheres (sopa) de farinha de trigo
4 colheres (sopa) de açúcar refinado
3 ovos inteiros
½ xícara (chá) de margarina
240 g de chocolate

Modo de preparo

1) Pique o chocolate em pedaços e coloque em uma vasilha de vidro para levar em banho maria.
2) É importante que, durante o banho maria, a água não chegue a tampar a metade da vasilha em que está o chocolate e esteja sempre em fogo baixo.
3) Mexa cuidadosamente o chocolate até que ele derreta e acrescente a manteiga.
4) Em outra vasilha misture os ovos e o açúcar e misture bem.
5) Quando o chocolate estiver completamente derretido e a formado um creme homogêneo com a manteiga, você irá despejá-lo aos poucos e cuidadosamente na mistura de açúcar e ovos. É importante que você mexa bem rápido para que o chocolate quente não cozinhe os ovos.
6) Quando esta mistura estiver homogênea ela deverá estar um pouco mais durinha, quase em ponto de massa de bolo, menos líquida.
7) Acrescente aos poucos, e sempre mexendo, a farinha.
8) Com as forminhas untadas e enfarinhadas você deverá colocar a massa com uma concha até um pouco mais da metade da forminha.
9) Com o forno bem quente, afinal foi isso que fez com que a receita desse "errado", você deverá colocar as forminhas em um refratário.
10) Deixe por cerca de 7 minutos, mas sempre vigiando!
11) Quando a parte de cima da massa estiver um pouco endurecida você deve tirá-la e desenformar ainda quente.

Dica: O segredo do petit gâteau está na hora de assar, pois deve ficar com uma casquinha por fora, mas com o interior líquido, por isso é preciso ficar de olho quando ele está no forno. É claro que o tempo de cozimento da massa pode variar para cada forno, mas não deve ultrapassar 10 minutos.
Costumo trabalhar com uma marca de chocolate que é deliciosa e que não é cara como as famosas. O chocolate que uso é da marca Harald ao leite/meio amargo e tem uma embalagem roxa.

    Se um aprendiz de chef se arriscou e criou/adaptou essa receita deliciosa, por que você não se arrisca e se atreve a preparar esse petit gâteau, hein? Au revoir!

      As fotos são de duas experiências muito bem sucedidas de preparo!

sábado, 2 de junho de 2012

Coq au vin - um presente para os gauleses


Há quanto tempo não escrevo as histórias e receitas para serem saboreadas? Perdi a conta!
Os últimos meses têm sido cheios de tarefas e prazos a cumprir, por isso quase não sobrou tempo para cozinhar e escrever. Mas no último domingo consegui parar e preparar um delicioso almoço de dia das mães. Uma forma de agradecer e homenagear essa mulher que gosta tanto de cozinhar quanto eu. Acho que nós duas herdamos da minha avó o gosto pela culinária.
O nome do prato escolhido soava estranho aos ouvidos dela e de todos que comeram, principalmente para as crianças! No final das contas eu desisti de usar o nome original e anunciava: “frango ao vinho”!
Que nome estranho era esse? Coq au vin! Um dos pratos mais saboreados na culinária francesa.
O sabor desse prato é uma coisa maravilhosa e sua história muito curiosa. Embora a receita apareça nas documentações a partir do início do século XX, algumas histórias são contadas sobre essa iguaria.
Uma delas conta que, por volta do século 50 a.C., no sul da França, os gauleses ao serem cercados pelo exército romano enviaram de presente ao General Júlio César um galo de briga como símbolo de sua rendição.
Júlio César, então, responde ao presente com um convite de jantar ao líder gaulês. O prato principal: o próprio galo cozido em um vinho típico da região.

Após esse período, o primeiro registro de um prato semelhante foi registrado em 1864, com o título de poulet au vin blanc. Atualmente o frango, da receita original, tem sido substituído por galinha.
Apesar do nome difícil, a receita é fácil! Então fica o convite para que vocês se atrevam! Apresento o resultado na fotografia para que vocês fiquem com mais água na boca :)

Coq au vin
1800 g de coxa e sobrecoxa de galinha sem pele
2 colheres (sopa) de margarina
1 xícara e ½ (chá) de bacon picado em cubinhos
2 colher (sopa) de farinha de trigo
200 g de champignon em fatias
2 caixas de creme de leite
2 colheres (sopa) de salsa picada
2 tabletes de cal de galinha
2 folhas de louro
3 cebolas grandes raladas
1 ramo de alecrim fresco
2 colheres (sopa) de azeite
3 cravos-da-índia
6 dentes de alho socados com 1 colher (chá) de sal
1 garrafa de vinho tinto seco

Modo de preparo
1) Prepare em uma vasilha grande a marinada com: o caldo de galinha dissolvido em água morna, o louro, a cebola ralada, o alecrim, o azeite, os cravos e o vinho.
2) Coloque nessa marina os pedaços de galinha e deixa tampado na geladeira por cerca de 3 horas para pegar o tempero.
3) Retire os pedaços de galinha e reserve a marinada, pois ela será aproveitada.
4) Em uma panela grande aqueça a margarina e frite o bacon.
5) Acrescente o alho e os pedaços de galinha e deixe dourar.
6) Polvilhe a farinha de trigo e despeje a marinada.
7) Acrescente os champignons e deixe cozinhar com a panela tampada em fogo baixo por cerca de 40 minutos ou até que a carne esteja macia, mas sem deixar derreter.
8) Apague o fogo e retire o louro e o alecrim e acrescente o creme de leite e misture bem.
9) Acrescente a salsa e voilà!

Serve
6 pessoas

Observação: esse prato pode ser servido com arroz branco e uma salada crua.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Dos modos à mesa


A tão falada etiqueta é, por muitos, considerada uma futilidade, uma frescura. Mas nada mais é que um manual de boas maneiras e, apesar de parecer restrito ao mundo dos ricos, algumas de suas regras são seguidas até por famílias mais simples. Quem nunca ouviu a mãe dizendo na hora do almoço, com o cenho franzido, “Menino, tira o cotovelo da mesa!” ou “Não fale de boca cheia!”. O tal do cotovelo eu não entendo, mas não é nada agradável ver a comida bailando entre os dentes de uma pessoa que come de boca aberta! São essas regrinhas que nos fizeram deixar de sermos bárbaros (não que isso seja uma coisa ruim), para sermos civilizados.
As regras de etiqueta tiveram sua origem no século XVI, com os manuais de civilidade. Os manuais de civilidade surgiram no momento de transição da Idade Média para a Moderna e tratavam das boas maneiras a mesa, condenando a gula, a agitação e a sujeira. Um exemplo desses manuais é a obra De civilitate morum puerilium (Da civilidade em crianças), de Erasmo de Roterdã, que tratava do comportamento das pessoas na sociedade e afirmava que as regras do jogo social deveriam ser ensinadas as crianças através de métodos mnemônicos.
Nesse período ainda se comia com as mãos e os talheres eram, usualmente, para servir os alimentos, por isso os modos à mesa tiveram de ser sistematizados em regras, a fim de regulamentar a convivência no espaço público e privado. Norbert Elias, na obra O processo civilizador, explica que “Todos, do rei e a rainha ao camponês e sua mulher, comem com as mãos. Na classe alta há maneiras mais refinadas de se fazer isso. Deve-se lavar as mãos antes de uma refeição [...]. Na boa sociedade, ninguém põe ambas as mãos na travessa. É mais refinado usar apenas três dedos de uma mão. Este é um dos sinais de distinção que separa a classe alta da baixa.”
Sobre os talheres ele explica que “Praticamente não existem garfos e quando os há são para tirar carne de uma travessa. Facas e colheres são com freqüência usadas em comum. Nem sempre há talheres especiais para todos: se lhe oferecem alguma coisa líquida, diz Erasmo, prove-a e, em seguida, devolva a colher depois de tê-la secado. Quando são trazidos pratos de carne, geralmente cada pessoa corta seu pedaço, pega-o com a mão e coloca-o nos pratos, se os houver, ou na falta deles sobre uma grossa fatia de pão.”

                   Cuillère, fourchette et couteau aux armes de France pour Louis XIV        
 
No entanto essas regras não se destinavam apenas a gerir os modos à mesa, mas também permitir a diferenciação de classes através das boas maneiras. O código destinava-se a todos, porém era possível identificar diferenciações de classe através dos próprios manuais de civilidade que se multiplicaram a partir do século XVI. Essa diferenciação se dava até mesmo pelo alimento mais comum entre todos: o pão, onde havia uma farinha específica destinada ao preparo do pão de cada classe.
A vida social e o convívio eram marcados pelos atos de comer e beber. Segundo Os usos da civilidade, de Jacques revel, “A mesa torna-se então o pretexto de um ritual complexo e ao mesmo tempo a ocasião de uma demonstração de sociabilidade. Comer em companhia requer um autocontrole que em primeiro lugar faça esquecer o corpo, seus apetites indiscretos, suas funções, seus ruídos e humores. Mas isso não basta: a civilidade da mesa exige ainda uma dupla tecnologia da postura geral e da consumação. A refeição torna-se uma espécie de balé em que a ordem dos gestos deve ser regulamentada para todos, enquanto a individualização e a multiplicação dos utensílios da mesa – prato, copo, guardanapo, faca – pressupõem a aprendizagem de um manuseio perfeito. Satisfeitas todas essas condições – que para nós se tornaram evidentes e normais a ponto de as considerarmos naturais –, a mesa pode prestar-se ao exercício de uma sociabilidade visível que constitui-se verdadeiro fim.”
Acredito que a importância da convivência social em torno da mesa não se restringe apenas ao passado, mas, para algumas pessoas, isso ainda é uma realidade, principalmente se pensarmos em Belo Horizonte, onde foi mapeado pela revista Veja Belo Horizonte: Comer e Beber 2011/2012, 243 restaurantes, 210 bares e 193 casas de comidinhas, ou ainda nos almoços de domingo na casa das avós, sogras e mães, onde a família se reúne e se entrega aos prazeres de se empanturrar!


Banquete nupcial, Pieter Bruegel (1525-1569) 

 Essa história de convivência à mesa continuará em outras postagens, pois há muito que se falar sobre esse assunto. Como muitos momentos de minha convivência e sociabilidade se dão em torno da mesa do compadre e da comadre, a receita de hoje foi batizada de Creme do Léo em homenagem àquele que tanto elogiou e lambeu os beiços ao experimentar essa receita deliciosa!

Creme do Léo com Doritos
50 g de palmito cortado em rodelas finas
30 g de bacon picado em cubos pequenos
1 copo de requeijão cremoso
1 colher (sobremesa) de amido de milho dissolvido em ½ copo de água
1 colher (sopa) de margarina
Pimenta calabresa a gosto
2 pacotes de Doritos Dippas (para que o sabor não atrapalhe a degustação do creme)

Modo de preparo
1) Em uma panela coloque a manteiga e frite o bacon.
2) Quando bacon estiver frito acrescente o palmito e refogue um pouco.
3) Acrescente o requeijão e deixe aquecer um pouco.
4) Acrescente o amido de milho dissolvido para que engrosse um pouco o creme.
5) Se achar necessário acrescente um pouco de sal.
6) Acrescente a pimenta e deixe ferver por 2 minutos.

Observação: Prepare o creme sempre em fogo baixo para não queimar.
Despeje o Doritos em um refratário e o creme em um molheira ou rechaud (aparelho para fondue) para servir.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Açafrão: o novo açúcar da culinária


  O açúcar não é mais, nos dias de hoje, “caro como jóia e raro como justiça”. Se pensarmos apenas no Brasil, estaremos falando não só de um dos maiores exportadores de açúcar, mas também um dos maiores consumidores mundiais desse doce produto.
   Segundo a Embrapa, o consumo de açúcar no Brasil cresceu consideravelmente nos últimos 60 anos, devido às alterações no padrão de consumo e no crescimento vegetativo da população. “Na década de 1930, o consumo médio anual de açúcar era de 15 quilos por habitante. Já nos anos 1940, esse número aumentou para 22 quilos. Na década de 1950, o consumo passou a ser de 30 quilos por pessoa, passando para 32 nos anos 1960. Em 1970, a média era de 40 quilos e, em 1990, esse índice estabilizou-se em 50 quilos por habitante”. Esses números são absurdos!
   Mas o açúcar já teve destaque demais na última publicação e toda essa história é só para falar sobre o condimento mais caro do mundo na atualidade: o açafrão. Esse condimento é marca registrada de alguns pratos árabes e do mediterrâneo, como a paella espanhola e o bolo árabe. Mas o que faz esse pozinho amarelo-avermelhado ser tão valioso?
    Esse condimento é extraído da planta homônima e para se conseguir apenas 1 quilo desse tempero são necessárias 200 mil flores de açafrão!
    O uso do açafrão remonta à Antiguidade, sendo encontrados registros do seu uso no Egito, Babilônia, Assíria, Grécia e Roma e sua está ligada ao continente asiático, sendo difundido pelos árabes na Europa através da ocupação dos países ibéricos. Tanto que os maiores produtores desse tempero atualmente são Portugal e Espanha.
    Além de ser rico em vitaminas C e do complexo B, também possui cálcio, ferro e fósforo, também ajuda a baixar o colesterol, a relaxar as artérias coronárias e tem propriedades analgésicas e antioxidantes. Mas deve ser consumido com moderação, pois pode causar intoxicações.
    Mas o açafrão é famoso mesmo por ser considerado um afrodisíaco! Por isso conta-se que a poderosa e sedutora Cleópatra usava a essência de açafrão para seduzir seus amantes e os fenícios tinham o costume de passar a noite de núpcias em lençóis tingidos e perfumados com o açafrão.
   Esse tempero estava relacionado, tradicionalmente, com as cozinhas árabes e judaicas, sendo usado cotidianamente para preparar pratos doces e salgados. Como na alimentação judaica existem algumas restrições, o açafrão não pode ser consumido durante o Yom Kippur, quando se faz um jejum de cerca de 25 horas seguido de reza. A interdição do açafrão e da pimenta nesse dia está ligada ao fato de deixarem a boca seca.
   O açafrão chegou ao Brasil com os colonizadores e passou a fazer parte da culinária, embora seu alto custo limitasse o seu uso. Mas para isso existia um substituto nativo: o açafrão da terra, já conhecido e usado pelos indígenas. Câmara Cascudo explica que “As negras empregavam muito mais o açafrão do que atualmente. Arroz sem açafrão era para doente desenganado. Dava cor e despertava vontade de comer”.
  Como esse tempero pode ser usado no preparo de diversos alimentos, hoje darei duas receitas: uma salgada, testada por mim, e outra doce, elaborada por mim.

Molho afrodisíaco de açafrão

Ingredientes
1 xícara (chá) de bacon picado em cubinhos
1 colher (sopa) de margarina
1 caixinha de creme de leite (120 gr)
1 colher (chá) de açafrão
2 colheres (sopa) de queijo parmesão ralado

Modo de preparo
1) Frite o bacon na margarina.
2) Depois que o bacon estiver dourado acrescente o creme de leite.
3) Acrescente o açafrão e o parmesão e mexe até que fique homogêneo.
4) Deixe ferver por 2 minutos.
Obs: Esse molho pode ser servido com carnes ou como molho para massas. Para servi-lo com iscas de frango siga o modo de preparo do frango postado com o título de “Memórias gustativas”.

Bolo de açafrão com linhaça

Ingredientes
2 xícaras (chá) de farinha de trigo
3 colheres (sopa) de farelo de linhaça
1 xícara (chá) de óleo
1 xícara (chá) de leite
1xícara (chá) de açúcar cristal   
1 ovo
1 colher (sopa) de fermento em pó
1 colher (chá) de açafrão
2 colheres (chá) de erva doce

Modo de Preparo
1) Em uma vasilha coloque a farinha de trigo, farelo de linhaça, açúcar, óleo, leite e ovo e mexa até que a massa fique homogênea.
2) Acrescente o açafrão e a erva doce e mexa mais um pouco.
3) Acrescente o fermento em pó e mexa.
4) Despeje em uma fôrma para bolo com tampa (aquelas com um furo no centro) untada e enfarinhada e coloque na parte de cima do fogão em fogo baixo por 30 minutos.
5) Depois de 30 minutos abra e espete um garfo para saber se a massa está assada. Se o garfo sair limpinho é só desligar o fogo e esperar esfriar para saborear com um gostoso café ou um chá!

    Abraços e saboreiem! 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

“Caro como jóia e raro como justiça”


            Ah, os doces... perdição de muitos!
Os doces existem desde tempos imemoriais, apesar de nem sempre terem sido adoçados com o açúcar. Na Antiguidade Clássica os doces eram preparados com mel de abelhas, o que permaneceu até a dominação do açúcar na culinária. Os doces que, hoje, são preparados com açúcar, outrora eram adoçados com mel de abelhas, principalmente.
O uso do mel no preparo dos doces era tão comum que em Portugal existia a profissão de meleiro, termo que surgiu, segundo o dicionário Houaiss, por volta de 1836. Mas antes mesmo do século XIX os portugueses já cultivavam o mel nas proximidades de suas casas e os meleiros caçavam, tiravam, compravam e vendiam o mel. “as grandes brenhas e dilatados matagais, que principalmente em Trás-os-Montes, Beira Alta e Baixa, havia no tempo dos nossos primeiros reis, deram ocasião a que grande número de homens vivessem de colher mel e matar coelhos pelos montes, chamados por isso de Coelheiros e Meleiros”. Além disso, o mel ainda era meio de pagar os impostos.
                O sal indiano, hoje conhecido como açúcar, tornou-se conhecido no século IV a. C., quando Alexandre, o Grande, empreendeu a conquista da Índia. Nesse lugar as pessoas consumiam um suco de cana fermentado, um mel que não precisava de abelhas para produzi-lo. Com a dominação da Pérsia pelos árabes no século VII d. C., onde havia estudos avançados sobre o açúcar e sua produção, esse produto se espalhou por outras regiões e chegou à Península Ibérica. Por isso o domínio árabe é considerado inseparável do alimento doce.
                A popularização do açúcar se deu durante o século XVI, substituindo o mel. Segundo Câmara Cascudo “A preferência pelo açúcar acentuou-se mesmo nos velhos redutos da antiga doçaria. Primeiro o fidalgo cedeu. Depois as classes mais humildes decidiram-se pelo açúcar”.
Mas mesmo com sua popularização, o açúcar permaneceu “caro como jóia”, embora não fosse mais tão “raro como justiça”. Entre os anos de 1583-1585, os 66 engenhos de Pernambuco produziam 200 mil arrobas de açúcar e, os 36 engenhos da Bahia, 120 mil arrobas.
Com o aumento da produção do açúcar, a produção de doces em Portugal também aumento, sendo produzidos nas casas portuguesas e principalmente nos conventos, onde ganhavam requinte e receitas inovadoras e que delatavam os anseios e apelos das freiras através dos nomes: bolinhos de amor, suspiros, caladinhos, beijo-de-freira, creme-da-abadessa, papo-de-anjo, casadinhos, entre outros, inúmeros!
Nos conventos os doces recebiam o “papel recortado” que eram feitos a mão, antepassado das nossas forminhas produzidas em larga escala. “Com a doçaria existia a não menos encantadora tradição do papel recortado, cobrindo, forrando, ornamentando os doces isolados e a bandeja, que os conduzia. Alguns são maravilhas de finura, equilíbrio e graça delicada, uma renda de intenção decorativa, de efeito surpreendente.”
A tradição de que toda rapariga deveria saber fazer um bolo e belos doces se perdeu com o tempo e na correria do dia a dia, mas a preferência e apetite pelos doces permanceram. Por isso a receita de hoje será um docinho simples e delicioso, para atender ao tempo das atividades que assumimos em nossas vidas. E ela vai com uma indicação para aproximar pais e filhos nessa loucura toda, pois não precisa ir ao fogo.

Docinho de biscoito

Ingredientes
40 unidades de biscoito de chocolate sem recheio
2 colheres (sopa) de margarina
2 colheres (sopa) de cacau em pó
2 colheres (sopa) de doce de leite comum ou de chocolate
Opcional: acrescentar pedaços de avelã ou uma colher (sopa) de licor.

Modo de preparo
1. Triture os biscoitos no liquidificador até que vire uma farinha.
2. Despeje em uma vasilha e misture o cacau, a margarina e o doce de leite.
3. Misture bem até que vire uma massa homogênea e fácil de enrolar, sem que grude muito na mão.
4. Passe um pouco de margarina nas mãos e faça bolinhas.
5. Passe as bolinhas no açúcar refinado e deixe na geladeira por 30 minutos.

Esses doces não são tão sofisticados quanto os preparados nos conventos portugueses, mas são ótimos para fazer e saborear com as crianças! E para encerrar, deixo vocês na companhia de Fernanda Takai e sua dulcíssima voz.

Com açúcar, com afeto, ouse saborear!



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Memórias gustativas


                Minha tia caçula casou e foi viver na Espanha quando tinha 18 anos.  Lembro-me da primeira visita que fez ao Brasil e de toda a preparação das bonecas para recebê-la. Isso mesmo, bonecas! Minha avó disse que as bonecas tinham que recebê-la, por isso demos banho em todas e colocamos sentadinhas em uma mesinha de centro, bem arrumadas e cheirosas. A mesa estava farta! De bonecas e de comida! E, como não podia faltar nos cardápios de domingo, com um belo frango assado. Hummm!
                Quando as visitas chegaram, junto apareceu uma menininha espanhola que nos via pela primeira vez e sequer falava nossa língua. Minha avó, contente com a netinha que acabava de conhecer, começou a conversar e perguntar coisas para ela. E a menininha começou a falar sobre um tal de pollo. Minha avó respondeu com tristeza que não tinha repolho, mas que depois poderia fazer. Rapidamente minha tia explicou que pollo era, nada mais, nada menos, que o prato principal do almoço: frango!
Pollo foi, talvez, a primeira palavra em espanhol que aprendi e que, com certeza, deixou minha avó felicíssima, pois satisfez a vontade da netinha que ela via pela primeira vez.
O frango faz parte de nossa alimentação cotidiana, mas nem sempre foi assim. Nos tempos do Brasil Colônia as galinhas eram reservadas para o período de "resguardo" e ao tratamento de gente doente, pois "cautela e caldo de galinha não faz mal a ninguém". Por isso nos Livros de Contas do Engenho de Sergipe do Conde, localizado nas proximidades de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, e que pertenceu a Mem de Sá existe as seguintes descrições: "Hua galinha e ovos para hus adoentes" e "Hua galinha para purgar dois negros".
Isso não denota o uso exclusivo das galinhas para alimentar os doentes, mas um costume e um tipo de alimentação mais indicado para tratar essas pessoas. Tanto que, ainda nos dias de hoje, as mães e avós costumam preparar uma deliciosa canja de galinha quando estamos adoentados ou após o parto. A canja de galinha fortalece o corpo e o espírito!
Ainda há registros do uso da carne de porco para os convalescentes: "Os doentes comem galinha e carne de porco, que nesta terra todo o ano é melhor que galinha em saudável e gosto".
As carnes preferidas no dia a dia dos tempos coloniais eram as de vaca, porco, peixe e as carnes consideradas exóticas nos dias de hoje, notadamente as carnes de caça. Câmara Cascudo explica que "Galinhas, patos, perus, não eram pratos elogiados e procurados. Entre um peru assado e um tatu tostado, elegiam esse último". 
A receita de hoje não é de um frangão assado ou uma canja de galinha, mas leva como ingrediente principal a ave usada como alimento das convalescentes coloniais e atuais e  figura como dica de um delicioso petisco para receber os amigos no final de semana.
  
Frango com requeijão

Tempo de preparo: 1 hora

Serve: 4 pessoas

Ingredientes
1 Kg de peito de frango sem pele e sem osso
9 dentes de alho
1 cebola grande
1 colher (chá) de sal
1 colher (chá) de açúcar
1 copo de água 
Pimenta do reino a gosto
Orégano a gosto
1 colher (sopa) de óleo
½ colher (sopa) de molho inglês a gosto
1 tubo de requeijão culinário de 200 ml

Modo de Preparo
1. Pique o frango em cubinhos.
2. Tempere o frango com 5 dentes de alho socados em 1 colher (chá) de sal.
3. Reserve os outros 4 dentes de alho fatiados bem fininho.
4. Coloque em uma panela média o óleo, o açúcar e o frango para dourar.
Dica: O frango geralmente perde água ao ser levado ao fogo, por isso deixe em fogo alto para que ela evapore rápido e não deixe a carne dura. Cuidado para não queimá-lo. Depois de dourado, acrescente um pouco de água, se necessário, para terminar de cozinhar o frango, tampe a panela e abaixe o fogo.
5. Depois que o frango estiver cozido acrescente a cebola picada em rodelas médias e acrescente o molho inglês e tampe a panela até que as cebolas cozinhem um pouco.
6. Acrescente a pimenta do reino e o orégano ao final do preparo para preservar o aroma e sabor dos condimentos.
7. Despeje o frango em um refratário de vidro ou alumínio e espalhe o requeijão por cima.
8. Leve ao forno médio por cerca de 15 minutos ou até que o requeijão derreta.

Essa é uma ótima receita para fazer e comer com os amigos em uma roda de conversa no final de semana. 

Sapore Aude!